Quem tem um e-commerce e emprega funcionários encontrará um grande desafio pela frente: adequar-se às novas regras da reforma trabalhista, que entram em vigor a partir deste sábado (11).

O que começou como um pequeno projeto de lei desengavetado pelo governo se transformou em uma complexa mudança nas relações de trabalho, que vai alterar vários dos processos vigentes até então. Segundo o advogado Pablo Mourente, da David & Athayde Advogados, a “espinha dorsal” das leis foi mantida.

“A reforma trabalhista manteve intactos o 13º salário, férias, FGTS, hipóteses de estabilidade, salário mínimo, adicional noturno, limite de 44 horas para a jornada de trabalho semanal, entre outros”, explicou Mourente, durante sua palestra na Conferência E-Commerce Brasil Rio 2017.

De acordo com ele, apesar do pouco tempo de vigência, a nova legislação deve receber uma nova “reforma”, em breve, para corrigir aspectos que desagradaram a setores do governo.

E mesmo que muitos pontos da nova legislação não se apliquem ao comércio eletrônico, outros trarão grandes impactos, positivos e negativos, segundo o advogado. Confira o que de mais importante muda para o e-commerce a partir de amanhã:

Novas regras valem para contratos antigos?

Às vezes, dependendo do caso, os contratos antigos podem ou não valer. Toda legislação precisa se respeitar o artigo 5º da Constituição, de acordo com Mourente. O texto diz que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e coisa julgada”. Mas alguns direitos, que são contínuos, ou ainda expectativas de direitos (como uma rescisão de contrato que ainda não aconteceu, por exemplo) podem ser aplicados de acordo com as novas regras.

Quais são as principais novas regras para o e-commerce?

Teletrabalho (home office)

Chamado oficialmente de “teletrabalho”, o home office deverá ser pactuado por escrito no contrato de trabalho ou em aditivo. Deverão constar, por escrito, as responsabilidades, financeiras e administrativas, quanto a equipamentos, ferramentas e infraestrutura necessárias (por exemplo: haverá reembolso de luz, telefone e internet? Como isso será feito?).

Esse regime não está sujeito a controle de jornada – ou seja, o funcionário não terá direito a hora extra nem a empresa poderá cobrar atrasos. Mas existe o risco de os juízes interpretarem esse ponto da reforma trabalhista de outra maneira conforme a Constituição Federal.

“Se os tribunais começarem a usar os mesmos critérios utilizados para o trabalhador externo, a empresa que pedir horário de login, cumprimento de horário e outros aspectos rígidos vai ter de pagar hora extra”, pontuou o advogado. O empregador poderá, unilateralmente, extinguir o home office, garantindo um período de 15 dias para a transição.

Banco de horas por acordo individual

A partir de agora, o banco de horas não precisa ser pactuado com os sindicatos. Existe, então, a possibilidade de decidir como ele vai funcionar por meio de acordo individual, com limite de seis meses para compensação, exceto no caso dos comerciários, para quem existe uma lei própria. Mas há um alto risco de a Justiça considerar a pratica inconstitucional. “Acho temerário ainda adotar esse novo banco de horas. Eu continuo sugerindo fazer [o banco de horas] de acordo com os sindicatos”, sugeriu Mourente.

Parcelamento de férias

Apenas com anuência do empregado, e no máximo em três períodos: um com no mínimo 14 dias e os demais com, no mínimo, cinco dias cada. Porém, é vedado o início das férias no período de dois dias que antecede feriado ou dia de repouso semanal remunerado.

Verbas desvinculadas da remuneração

Os bônus, prêmios, ajuda de custo, diária de viagem passam a ser desvinculados do salário, desonerando o seu custo. De acordo com o advogado Pablo Mourente, isso oferece possibilidade para a criação de uma política para metas e incentivos dentro da empresa. Já as comissões continuam vinculadas à remuneração. “O que não pode é colocar uma meta tão fácil que ela é sempre batida, gerando premiações constantes e uma espécie de ‘falso bônus’. Isso pode parecer suspeito à Justiça”, afirmou.

Trabalho intermitente

Este promete ser um dos pontos mais temerosos de se adotar logo no primeiro momento e deve ser alvo de muitos questionamentos na Justiça. O trabalho intermitente é uma nova modalidade de contratação criada pela reforma trabalhista, com limite de oito horas diárias e 44 semanais. Vai funcionar como uma espécie de “cadastro de empregados” parcialmente à disposição e será bastante útil para empresas com picos (como a Black Friday). Não existe obrigação em chamar os empregados.

Porém, quando a empresa convocá-lo, ele poderá recusar o pedido sem que isso caracterize insubordinação, e terá todos os direitos trabalhistas, como férias, 13º, FGTS, garantidos. O pagamento do RSR das férias e do 13º salário ocorrerão de forma proporcional e imediata a cada pagamento. A lei não deixou claro, porém, qual é esse prazo “imediato”.

É exatamente o texto vago que promete colocar em xeque a validade do trabalho intermitente. “Quer adotá-lo [em sua loja]? Então, seja conservador na sua interpretação e adote a favor do trabalhador”, sugeriu o advogado.

Rescisão por acordo

Nesse caso, o funcionário não terá direito ao seguro-desemprego, mas poderá receber metade do aviso prévio indenizado e metade da multa de 40% do FGTS, além das verbas rescisórias já normalmente pagas. A multa adicional de 10% sobre FGTS não é mais devida. A empresa, porém, não é obrigada a aceitar o acordo, e não será necessária a realização da homologação junto ao sindicato. Pode ser aplicável também a empregados estáveis, mas recomenda-se muita cautela.

Terceirização da atividade-fim

Existe o risco médio de inconstitucionalidade, segundo Pablo Mourente, para esse ponto da reforma trabalhista. A terceirização precisa ser detalhadamente especificada no contrato – não se pode informar de maneira genérica qual o serviço prestado.

A responsabilidade da empresa tomadora será apenas subsidiária, mas terá de assumir algumas responsabilidades de benefícios oferecidos a seus próprios empregados.

Além disso, haverá uma espécie de “quarentena” de 18 meses para a contratação de ex-empregados, tentando evitar, assim, o processo de “pejotização” das relações de trabalho. Só contratos de terceirização firmados após a nova lei terão validade.